domingo, 6 de janeiro de 2008

ANELO


Foi frio o dia, foi como se só agora voltasse a ter gestos no corpo. Neste corpo que se desfaz e apaga. Gestos, vagos, restos de qualquer coisa infantil e sem regresso. Um movimento muscular mínimo que se desapega e confunde no ar que circula aqui no quarto.

Corpo e ar um só.
Atropelo sem querer uma pena de almofada que esvoaça perdida enredada na aragem. Qualquer coisa que esqueço e esqueço e esqueço e volta.
Desejo
um sopro, anelo.
Anseio por ti
Desejo-te
Não estás aqui mas a sala inteira cheira, chove. Não suporto a chuva nem o vento, nem o som a bater na janela. Tenho a garganta seca como se fosse um dia quente. Desejo-te para além do limite e estou impassível aqui sentada. Ninguém sabe deste desejo, não se vê. Deixa-me só a garganta seca.

Choveu muito e fez sol. Agora não te desejo. Ficou esta sensação de secura e o corpo inteiro rasgado.
E desejo-te. A falta que me fazes alastra. Cria um espaço, largo.
Devia poder-te falar deste desejo todo. Assim fica um nó sem som.
Existe uma lei funda que define e é por ela que se alinha a vida. Quem a quebra corta e adianta a morte. Pressinto-a lá no fundo, forte, grande e não te digo.

Não te vás.

Incompreensível que ainda sinta aqui a meio do estômago naquele ponto preciso e impartilhável o nó que se desdobra e multiplica infinitamente por cada nervo ou fibra, e dói nos gestos que ainda me restam.
Chega devagar um torpor que se transforma.

Apagam-se os gestos todos quando fazemos amor. A consciência, a lei fica romba. Neste instante, o sexo, anelo, neste instante grito.
Para além da intensidade da luz ou da ausência dela abre-se em cada zona do corpo uma outra maior e outra. Impossível saber deste desejo. Só à passagem das tuas mãos, do teu braço num gesto lento do corpo inteiro quando te voltas e me tocas minimamente num pêlo, num centímetro de pele,
o teu sexo.
O teu desejo misturado com o meu, um corpo. Inteiro sem dores, uma superfície que é a velocidade do desejo.
Os restos do corpo onde tenho estas sensações rasgam-se. As pregas, as dobras, os recantos escuros desaparecem e já não é corpo é uma superfície um bloco único de sentir, elástico e um orgasmo e depois dele outro ou a continuação de um só subindo em intensidade, maior que qualquer número. Impossível de contar. A superfície muda, transforma-se numa pele transparente e sem peso.
O teu corpo não pesa é um conjunto de ritmos e calor, forte, qualquer coisa selvagem e do princípio, intensa. Vida na medida simples das sensações. Cheira a rosas.

Sem comentários: